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Da Vida Humana

Arcebispo Charles J. Chaput, O.F.M. Cap.
Denver, Colorado, E.U.A.

Queridos irmãos e irmãs no Senhor,

1. Há trinta anos, nesta mesma semana, o Papa Paulo VI emitia a sua encíclica Humanae Vitae (Da Vida Humana), que confirmava o ensinamento permanente da Igreja acerca da regulação da natalidade. É, certamente, a intervenção papal mais controversa deste século. Foi a centelha que deu origem a três décadas de incerteza e de dissidência entre muitos católicos, em especial nos países desenvolvidos. Com o decorrer do tempo, no entanto, também se provou ter sido profética. Ela ensina a verdade.

Por isso, o meu objectivo nesta carta pastoral é simples. Acredito que a mensagem da Humanae Vitae não é um fardo, mas uma graça. Acredito que esta encíclica nos oferece a chave que leva a matrimónios mais fecundos e ricos. E, por isso, o que eu procuro na família da nossa igreja local não é apenas um assentimento respeitoso a um documento que a crítica considera irrelevante, mas um esforço activo e persistente para estudar a Humanae Vitae, ensiná-la fielmente nas nossas paróquias, e encorajar os nossos casais a vivê-la.

O mundo desde 1968

2. Mais cedo ou mais tarde, cada padre acaba por aconselhar alguém que luta contra um vício. Normalmente, o problema é o álcool ou são as drogas. E, geralmente, o cenário é o mesmo. Aquele que é dependente terá consciência do problema, mas alegará não ter forças para o combater. Ou, em última análise, negará ter algum problema de todo, mesmo se a dependência estiver a destruir a saúde dele ou dela, e a arruinar o trabalho ou a família. Não interessa se faz muito sentido o que o padre diz; não interessa se os seus argumentos são ou não verdadeiros e persuasivos; e não interessa se a situação põe a vida em risco, muito ou pouco: aquele que está viciado não consegue, simplesmente, compreender— ou não consegue seguir—o conselho. A dependência, como uma barra grossa de vidro, separa -o de qualquer coisa ou de alguém que o possa ajudar.

3. Uma forma de compreender a história da Humanae Vitae é examinar as últimas três décadas através da metáfora da dependência. Creio que o mundo desenvolvido considera esta encíclica muito difícil de aceitar, não devido a alguma falha no pensamento de Paulo VI, mas por causa das prisões e contradições que impôs a si próprio, exactamente como o Santo Padre advertiu.

4. Ao escrever a sua encíclica, Paulo VI alertou para os quatro problemas principais que surgiriam (Humanae Vitae, 17), caso o ensinamento da Igreja acerca da regulação da natalidade fosse ignorado. Em primeiro lugar, ele advertia que a propagação da prática da contracepção conduziria à “infidelidade conjugal e à geral degradação da moralidade.” Foi exactamente isto que aconteceu. Poucos negarão que as taxas do aborto, do divórcio, do desmembramento da família, dos maus tratos da mulher e da criança, das doenças venéreas, e dos nascimentos fora do casamento têm, todas, subido massivamente desde meados dos anos 60. Obviamente, a pílula contraceptiva não tem sido o único factor neste desenrolar de consequências. Mas desempenhou um papel principal. De facto, a revolução cultural desde 1968, conduzida, pelo menos, em parte, pela modificação das atitudes em relação ao sexo, não teria sido possível, ou sustentável, sem o acesso fácil à contracepção segura. Neste aspecto, Paulo VI estava certo.

5. Em segundo lugar, advertia, também, que o homem perderia o respeito à mulher, “sem se preocupar com o equilíbrio físico e psicológico dela,” ao ponto de a considerar “como simples instrumento de prazer egoísta, e não mais como a sua companheira, respeitada e amada.” Por outras palavras, segundo o Papa, a contracepção podia ser qualificada de libertadora para a mulher, mas os “beneficiários” reais das pílulas e meios contraceptivos seriam os homens. Três décadas mais tarde, exactamente como Paulo VI sugeriu, a contracepção desobrigou o sexo masculino — num grau historicamente sem precedentes— da responsabilidade pela sua agressividade sexual. Ao longo do tempo, uma das mais estranhas ironias do debate sobre a contracepção na geração passada tem sido este: muitas feministas atacaram a Igreja Católica pela sua alegada insensibilidade às mulheres, mas a Igreja, na Humanae Vitae, identificou e rejeitou a exploração sexual das mulheres, anos antes dessa mensagem ter sido acolhida pela cultura dominante. Uma vez mais, Paulo VI estava certo.

6. Terceiro, o Santo Padre advertia, também, que a propagação da prática da contracepção colocaria uma “arma perigosa…nas mãos de autoridades públicas pouco preocupadas com as exigências morais.” Tal como descobrimos a partir daí, a eugenia não desapareceu com as teorias racistas nazis em 1945. As políticas de controlo da população são, neste momento, parte aceite de quase todos os debates sobre auxílios financeiros ao estrangeiro. O aborto, a esterilização e a exportação massiva de contraceptivos dos países desenvolvidos para os países em vias de desenvolvimento — frequentemente como pré-requisito de auxílios monetários e muitas vezes em contradição directa com tradições morais locais—é uma forma levemente disfarçada da “guerra do povoamento” e da re-engenharia cultural. Mais uma vez, Paulo VI estava certo.

7. Quarto, o Papa Paulo VI advertiu que a contracepção conduziria os seres humanos a pensarem que tinham poder ilimitado sobre o seu próprio corpo, transformando, inexoravelmente, a pessoa humana em objecto do seu poder intruso. Aqui reside outra ironia: ao fugir para a falsa liberdade concedida pela contracepção e pelo aborto, um feminismo exagerado urdiu activamente a desumanização da mulher. Um homem e uma mulher participam de modo único na Glória de Deus pela sua capacidade de concriar uma nova vida com Ele. Na base da contracepção, contudo, está a pretensão de que a fertilidade é uma infecção que deve ser atacada e controlada, exactamente como os antibióticos atacam as bactérias. Nesta atitude, pode-se ver, também, a ligação intrínseca entre contracepção e aborto. Se a fertilidade pode ser falsamente caracterizada como uma infecção a ser atacada, então também a nova vida pode. Tanto num caso como no outro, um elemento determinante da identidade da mulher—o seu poten­cial para conceber nova vida—é redefinido como uma fraqueza que gera desconfiança e requer vigilância e “tratamento”. A mulher torna-se objecto dos meios em que confia para assegurar a sua própria liberdade e protecção, enquanto o homem não partilha dessa preocupação. Uma vez mais, Paulo VI estava certo.

8. Do último ponto do Santo Padre, mais ainda procedeu: a fertilização in vitro, a clonagem, a manipulação genética, e a experiência com o embrião são todas provenientes da tecnologia da contracepção. De facto, nós substimámos drastica e ingenuamente os efeitos da tecnologia, não apenas na sociedade, mas na nossa própria identidade humana e íntima. Como o autor Neil Postman observou, a transformação tecnológica não é um aditivo, mas é, sim, ecológica. Uma nova tecnologia significativa não “acrescenta” algo a uma sociedade; altera tudo— tal como uma gota de tinta vermelha não passa despercebida num copo de água, mas dá cor e altera cada molécula do seu líquido. A tecnologia da contracepção, precisamente devido ao seu impacto na intimidade sexual, subverteu o nosso entendimento acerca da finalidade da sexualidade, da fertilidade, e do próprio matrimónio. Afastou-os da identidade natural, intrínseca, da pessoa humana e destruiu a ecologia das relações. Introduziu o caos no nosso vocabulário do amor, assim como o orgulho instalou o caos nas palavras usadas em Babel.

9. Hoje, lidamos diariamente com as consequências. Escrevo estas reflexões durante uma semana de Julho, poucos dias decorridos do momento em que os meios de comunicação social nos informaram de que quase14 por cento dos habitantes do Colorado têm, ou tiveram, problemas de dependência com o álcool ou com as drogas; uma comissão do governador enaltecia o casamento, enquanto recomendava, simultaneamente, medidas que iriam subvertê-lo no Colorado, alargando direitos paralelos e responsabilidades às pessoas “comprometidas numa relação,” incluindo relações entre o mesmo sexo; e um jovem casal da costa este foi condenado por ter assassinado brutalmente o seu bebé recém-nascido. De acordo com informações recentes, um dos ou ambos os jovens pais não casados “esmagou o crânio [do bebé] enquanto ainda estava vivo, e em seguida abandonou o seu corpo mutilado num contentor para que morresse.” Estes são os cabeçalhos de uma cultura em grave perigo. A sociedade norte-americana está arruinada pela identidade sexual e pelas disfunções de comportamento, pelo colapso da família, e por um endurecimento geral das atitudes em relação à santidade da vida humana. Isto é óbvio para qualquer pessoa, excepto para aquele que tem um vício: temos um problema. Isto está a aniquilar-nos como povo. Então que vamos nós fazer acerca disto? O que quero sugerir é que se Paulo VI estava certo acerca de tantas das consequências resultantes da contracepção, é porque estava certo acerca da contracepção em si mesma. Ao procurar tornarmo-nos íntegros novamente, como pessoas e como povo de fé, necessitamos começar a reviver a Humanae Vitae de coração aberto. Jesus disse que a verdade nos torna livres. A Humanae Vitae está cheia de verdade. É, pois, uma chave para a nossa libertação. 

O que a Humanae Vitae diz realmente

10. Talvez um dos defeitos ao comunicar a mensagem da Humanae Vitae durante os últimos trinta anos tenha sido a linguagem usada ao ensiná-la. Os deveres e responsabilidades da vida conjugal são numerosos. São sérios, também. Antes de mais, precisam ser cuidadosamente tomados em conta, dentro de um espírito de oração. Mas poucos casais entendem o seu amor nos termos da teologia académica. Apaixonam-se, mais exactamente. É o vocabulário que usam. É tão simples e elucidativo. Rendem-se um ao outro. Dão-se um ao outro. Apaixonam-se um pelo outro para possuir por completo, e para serem ser possuídos um pelo outro. E com razão. No amor conjugal, Deus pretende que os esposos encontrem alegria e prazer, esperança e vida em abundância, em e através de cada um deles— tudo ordenado de uma maneira que aproxime mais marido e mulher, os seus filhos, e todos os que os conhecem, do abraço de Deus.

11. Como resultado disto, ao anunciar a natureza do matrimónio cristão a uma nova geração, precisamos articular as suas alegrias que enchem de plenitude, pelo menos tão bem como os seus deveres. A atitude católica acerca da sexualidade é tudo menos puritana, repressiva ou anti-carnal. Deus criou o mundo e fez o homem à Sua imagem. Por isso, o corpo é bom. De facto, tem sido frequentemente fonte de muita hilaridade para mim, ouvir, incógnito, como as pessoas se queixam, simultaneamente, da alegada “sexualidade engarrafada” da doutrina moral católica, e da dimensão de muitas e boas famílias católicas. (De onde, poder-se-ia perguntar, pensam elas que vêm os bebés?) O casamento católico— exactamente como o próprio Jesus— não trata de escassez, mas de abundância. Não trata de esterilidade, mas sim de fecundidade que flui do amor unitivo, procriador. O amor conjugal católico implica sempre a possibilidade de nova vida; e porque o implica, afasta a solidão e afirma o futuro. E porque afirma o futuro, transforma-se numa fogueira de esperança num mundo propenso ao desespero. Com efeito, o casamento católico é atractivo porque é verdadeiro. Está concebido para as criaturas que nós somos: pessoas destinadas para a comunhão. Os esposos completam-se um ao outro. Quando Deus une um homem a uma mulher no matrimónio, eles criam com Ele uma nova totalidade; uma “pertença” que é tão real, tão concreta, que uma nova vida, uma criança, é a sua expressão natural e o seu cunho. Isto é o que a Igreja quer dizer quando ensina que o amor conjugal católico é, por natureza, simultaneamente unitivo e procriador— não um ou outro.

12. Mas por que razão um casal não pode simplesmente escolher o aspecto unitivo do casamento e temporariamente bloquear ou, até per­manentemente, fazer a prevenção da sua natureza procriadora? A resposta é tão simples e radical como o próprio Evangelho. Quando os esposos se entregam honesta e inteiramente um ao outro, como a natureza do amor conjugal im­plica e exige até, isso tem de incluir a totalidade do seu ser— e a parte mais íntima, poderosa de cada pessoa é a sua fertilidade. A contracepção não só nega esta fertilidade como ataca a procriação; ao fazê-lo, também destrói necessariamente a unidade. É o equivalente às esposas dizerem: “Dar-te-ei tudo o que sou — excepto a minha fertilidade; aceitarei tudo o que és— excepto a tua fertilidade.” Esta recusa de si mesmo conduz, inevitavelmente, ao isolamento e divisão dos esposos, e desfaz a amizade sagrada entre eles. Talvez não de imediato e de modo visível, mas profundamente, e, a a longo prazo, muitas vezes, com consequências fatais para o casamento.

13. Esta é a razão pela qual a Igreja não é contra a contracepção “artificial”. Ela é contra toda a contracepção. A noção de “artificial” não tem nada que ver com o assunto. De facto, tende a confundir a discussão ao ter implícito que o debate é acerca de uma intrusão mecânica no sistema orgânico do corpo. Não é. A Igreja não tem problemas com a ciência quando ela intervém apropriadamente para curar ou melhorar a saúde do corpo. Antes pelo contrário, ensina que toda a contracepção está moralmente errada; e não só errada, mas seriamente errada. A aliança a que marido e mulher se comprometem no matrimónio requer que toda a relação permaneça aberta à transmissão de nova vida. Isto é aquilo que tornar-se “numa só carne” implica: completa entrega de si mesmo, sem reserva ou excepção, assim como Cristo não guardou nada de Si da sua esposa, a Igreja, morrendo por ela na cruz. Qualquer interferência intencional com a natureza procriadora da relação sexual envolve necessariamente a recusa dos esposos um ao outro, e de Deus, que é seu companheiro no amor sacramental. Com efeito, eles roubam algo infinitamente precioso um ao outro e ao seu Criador— eles próprios.

14. E é por isto que o Planeamento Familiar Natural (PFN) difere não só na forma, mas em substância moral da contracepção como meio que regula o tamanho da família. O PFN não é contracepção. É, sim, um método de consciência da fertilidade e apreço por ela. É uma abordagem inteiramente diferente do controlo da natalidade. O PFN não faz nada para destruir a fertilidade, nem para que um cônjuge recuse ao outro o dom que tem, ou para bloquear a natureza procriadora da relação sexual. A união matrimonial pede que cada acto sexual seja um acto pleno de entrega de si mesmo, e, consequentemente, aberto à possibilidade de nova vida. Mas quando, por boas razões, marido e mulher limitam a sua vida sexual aos períodos naturais de infertilidade da mulher durante o mês, eles estão simplesmente a obedecer ao ciclo que Deus, Ele próprio, criou na mulher. Não estão a subvertê-lo. E, assim, vivem na lei do amor de Deus.

15. Existem, evidentemente, muitos benefícios maravilhosos na prática do PFN. A mulher protege-se de químicos nocivos ou dispositivos, e permanece fiel ao seu ciclo natural. O marido toma parte no plano e na responsabilidade do PFN. Ambos aprendem a ter um maior grau de auto-domínio e um respeito maior um pelo outro. É verdade que o PFN implica sacrifícios e abstinência periódica de relações sexuais. Pode, por vezes, ser um caminho difícil. Mas também qualquer vida cristã séria o pode ser, seja a de um sacerdote, de um consagrado, de um solteiro ou casado. Mais ainda, a experiência de dezenas de milhares de casais tem revelado que, quando vivida com devoção e sem egoísmo, o PFN fortalece e enriquece o matrimónio, que acaba por ter uma intimidade maior — e uma maior alegria. No Antigo Testamento, Deus disse aos nossos primeiros progenitores para serem fecundos e se multiplicarem (Gén 1,28). Ele disse-nos para escolhermos a vida (Deut 30,19). Enviou-nos o Seu Filho, Jesus, para nos dar vida em abundância (Jo 10,10) e nos recordar que o Seu jugo é suave (Mt 11,30). Suponho que, portanto, no âmago da ambivalência católica em relação á Humanae Vitae não esteja uma crise da sexualidade, da autoridade da Igreja, ou da relevância moral, mas sim uma questão de fé: acreditaremos mesmo na bondade de Deus? A Igreja fala pelo seu noivo, Jesus Cristo, e os crentes, naturalmente, ouvem ansiosamente. Ela mostra aos casais o caminho para o amor estável e para a cultura da vida. Trinta anos de história mostram as consequências da escolha contrária.

O que precisamos fazer

16. Quero exprimir a minha gratidão aos muitos casais que vivem, já, a mensagem da Humanae Vitae na sua vida conjugal. A sua fidelidade à verdade santifica as suas próprias famílias e toda a nossa comunidade na fé. Agradeço de um modo especial àqueles casais que ensinam o PFN e aconselham os outros sobre a paternidade responsável inspirada pelo ensinamento da Igreja. O seu trabalho passa demasiadas vezes despercebido ou é menosprezado— no entanto, eles são defensores poderosos da vida num tempo de confusão.

Quero, também, oferecer as minhas orações e alento àqueles casais que carregam a cruz da infertilidade. Numa sociedade frequentemente voltada para o evitar dos filhos, eles transportam o fardo de ansiar por ter filhos, não tendo nenhum. Nenhuma oração fica sem resposta, e todo o sofrimento entregue ao Senhor gera fruto nalguma forma de vida nova. Encorajo-os a ter em consideração a adopção, e faço um apelo para que se lembrem de que um fim justo não pode, nunca, justificar um meio indevido. Seja para evitar ou conseguir uma gravidez, todas as técnicas que separam as dimensões unitivas e procriadoras do matrimónio estão sempre erradas. As técnicas de procriação, que transformam embriões em objectos e mecanicamente sub­stituem a união amorosa de marido e mulher, violam a dignidade humana e tratam a vida como um produto. Não importa quão positivas sejam as suas intenções, estas técnicas promovem a tendência perigosa de reduzir a vida humana a matéria que pode ser manipulada.

17. Nunca é demasiado tarde para voltarmos o nosso coração para Deus. Não somos impotentes. Podemos fazer a diferença dando o testemunho da verdade sobre o amor conjugal e a fidelidade à cultura que nos rodeia. Em Dezembro do ano passado, numa carta pastoral intitulada Boas Novas de Grande Alegria (Good News of Great Joy), falei da importante vocação que todo o católico tem como evangelizador. Todos nós somos missionários. Nos anos 90, a América, com a sua cultura de sexualidade desordenada, de casamentos desfeitos e famílias fragmentadas, precisa, urgentemente, do Anúncio Cristão. Como o Papa João Paulo II escreve na sua exortação apostólica sobre a família (Familiaris Consortio), os casais e famílias têm um papel crítico ao dar testemunho de Jesus Cristo uns aos outros e à cultura circundante (49,50).

18. Tendo isto em mente, peço aos casais da arquidiocese para discutirem e rezarem pela Humanae Vitae, Familiaris Consortio, e outros documentos da Igreja que determinam os ensinamentos católicos acerca do matrimónio e da sexualidade. Muitos casais, desconhecendo a preciosa sabedoria que se encontra nesta documentação, privaram-se de uma bela fonte vivificante para o seu amor mútuo. Encorajo os casais, em especial, para que façam um exame de consciência no que diz respeito à contracepção, e peço-lhes que se lembrem de que a “consciência” é muito mais que uma questão de preferência pessoal. Exige de nós que procuremos e encontremos, que compreendamos o ensinamento da Igreja, e que honestamente nos esforcemos para lhe entregarmos os nossos corações. Exorto-os a procurarem o sacramento da reconciliação pelas vezes que se possam ter sujeitado à contracepção. A sexualidade desordenada é o vício predominante da sociedade americana nestes anos que findam o século. Directa ou indirectamente, isso tem impacto em todos nós. Daqui resulta que, para muitos, este ensinamento seja uma mensagem difícil de aceitar. Mas não desanimem! Cada um de nós é pecador. Cada um de nós é amado por Deus. Não importa as vezes que errarmos. Deus salvar-nos-á, se nos arrependermos e pedirmos a graça de fazer a Sua vontade.

19. Peço aos meus irmãos sacerdotes que examinem as suas próprias práticas pastorais, para assegurar que exponham o ensinamento da Igreja nestes assuntos, fiel e persuasivamente, em todo o seu trabalho paroquial. O nosso povo merece a verdade sobre a sexualidade humana e sobre a dignidade do matrimónio. Para o conseguir, peço aos padres que leiam e implementem o Vademecum para confessores relativo a alguns aspectos da moralidade da vida conjugal, e que estudem o ensinamento da Igreja sobre o matrimónio e o planeamento familiar. Instigo-os a designarem coordenadores paroquiais que facilitem a divulgação do ensinamento católico sobre o amor conjugal e o planeamento familiar— especialmente o PFN. A contracepção é um assunto grave. Os casais precisam do bom conselho da Igreja para tomarem as decisões certas. Muitos católicos casados acolhem a orientação dos seus pastores, e os padres não deveriam nunca sentir-se intimidados pelo seu compromisso pessoal com o celibato, ou constrangidos pelo que a Igreja ensina. Sentir-se constrangido pelo ensinamento da Igreja é sentir-se constrangido pelo ensinamento de Cristo. A experiência pastoral e o conselho de um sacerdote são de grande valor em questões como a contracepção, precisamente porque ele traz uma nova perspectiva ao casal, e fala pela Igreja inteira. Mais ainda, a fidelidade que um sacerdote demonstra para com a sua própria vocação fortalece as pessoas casadas a viverem a sua vocação com mais fidelidade.

20. Como arcebispo, comprometo-me com os meus gabinetes a apoiar os meus irmãos sacerdotes, diáconos e leigos colaboradores na divulgação de todo o ensinamento da Igreja sobre o amor conjugal e o planeamento familiar. Devo a ambos, clérigos da nossa igreja diocesana e seus colaboradores— especialmente os muitos e dedicados catequistas das paróquias — muita gratidão pelo bom trabalho que já realizaram nesta área. É minha intenção garantir que os cursos de amor conjugal e planeamento familiar estejam disponíveis, numa base regular, cada vez mais, à população da arquidiocese, e que os nosso padres e diáconos recebam formação mais completa nos aspectos teológicos e pastorais destes assuntos. Peço, de modo particular, aos nossos Núcleos de Evangelização e Catequese; Matrimónio e Vida Familiar; Escolas Católicas; Juventude, Jovens Adultos e Pastoral Universitária, e ao Rito de Iniciação Cristã para Adultos, para desenvolverem meios concretos para melhor divulgarem o ensinamento da Igreja sobre o amor conjugal ao nosso povo, e exigirem conhecimento adequado sobre o PFN, como parte de todos os programas de preparação matrimonial na arquidiocese.

21. Dois últimos pontos. Primeiro, a questão da contracepção não é periférica, mas central e séria, num caminho católico com Deus. Se, consciente e livremente praticada, a contracepção é um pecado grave porque distorce a essência do matrimónio, o amor que se entrega, pela sua própria natureza, é vida que se dá. Ela divide o que Deus criou para ser um todo: o sentido pessoal e unitivo do sexo (amor) e o seu sentido gerador de vida (procriação). Para além do custo que implica para cada casal, a contracepção também infligiu danos massivos na sociedade, de modo geral: ini­cialmente, ao criar uma distância entre o amor e a procriação de filhos; e, em seguida, entre o sexo (i.e., sexo enquanto divertimento, sem compromisso permanente) e o amor. Ainda assim — e este é o meu segundo ponto—o ensino da verdade devia ser sempre feito com paciência e compaixão, bem como com firmeza. A sociedade americana parece oscilar peculiarmente entre puritanismo e libertinagem. As duas gerações—a minha e a dos meus professores— que, então, lideraram neste país a dissidência da encíclica de Paulo VI, são gerações que ainda reagem contra o rigorismo do catolicismo americano dos anos 50. Esse rigorismo, muito do qual produto da cultura e não da doutrina, foi abolido há muito tempo. Mas o hábito do cepticismo permanece. Ao chegar a estas pessoas, a nossa tarefa é devolver a sua desconfiança aonde ela pertence: às mentiras que o mundo diz acerca do significado da sexualidade humana, e às patologias que essas mentiras escondem.

22. Para finalizar, deparamo-nos com uma oportunidade que surge uma única vez em muitas décadas. Nesta semana, há trinta anos, Paulo VI disse a verdade sobre o amor conjugal. Ao fazê-lo, desencadeou um conflito dentro da Igreja que continua a marcar a vida católica americana ainda hoje. A dissidência selectiva da Humanae Vitae depressa se transformou em grande dissidência da autoridade eclesiástica e em ataques à credibilidade da própria Igreja. A ironia é que as pessoas que abandonaram o ensino da Igreja, nos anos 60, depressa chegaram à conclusão de que tinham destruído a sua própria capacidade de transmitir alguma coisa aos seus filhos. O resultado é que a Igreja, agora, tem de evangelizar um mundo que é dos filhos dos seus filhos— adolescentes e jovens adultos educados na confusão moral, muitas vezes sem consciência da sua própria herança, que desejam ardentemente encontrar sentido, comunidade, e amor com verdadeira substância. Por todos os seus desafios, este é um novo e tremendo momento de possibilidade para a Igreja, e a boa notícia é que a Igreja hoje, assim como em qualquer época, tem as respostas para preencher o vazio dos seus corações com fome de Deus. Portanto, a minha prece é simples: que o Senhor nos conceda a sabedoria para reconhecer o grande tesouro que existe no nosso ensinamento sobre o amor conjugal e a sexualidade humana, a fé, a alegria, e a perseverança de a viver nas nossas próprias famílias— e a coragem que Paulo VI possuía para o proclamar de novo.

Arcebispo Charles Chaput, O.F.M. Cap., é o responsável da Arquidiocese de Denver. Esta carta pastoral, emitida nessa arquidiocese a 22 de Julho de 1998, é aqui reeditada com a sua permissão.

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